09 agosto, 2010

A graça na vida real

A graça é tão difícil de definir quanto difícil de acreditar. É por certo um monstruoso escândalo à religião e à moral, porque sustenta, basicamente, que Deus não acolhe as pessoas pela consistência do seu desempenho religioso, ético, social ou profissional, mas unicamente pela sua graça – seu próprio cavalheirismo, graciosidade e inclinação em perdoar. Segundo a visão de mundo do Novo Testamento, é apenas devido a essa postura graciosa de Deus que gente sem qualquer mérito como nós mesmos e o vil ladrão crucificado ao lado de Jesus pode ser acolhida no Reino sem nenhum trâmite adicional.

A boa nova da graça explica que Deus não escolhe escolher pessoas pelo seu desempenho admirável, porque do contrário não teria ninguém para escolher. Admirável é Deus, que ao contrário de nós acolhe e aceita as pessoas sem critério algum. Para o indivíduo a graça é liberadora porque liberta da escravidão do desempenho; ela esclarece que vale tanto controlar o tráfego aéreo de uma grande cidade quanto passar a tarde aquecendo um gatinho entre as mãos.

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A graça é apavorantemente inclusiva e deve ser manipulada com horror porque anula o mérito de todo sistema religioso; a graça torna inteiramente contraproducente, insensata e obsoleta a noção de religião como esforço ritual de religar o homem a Deus.

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Notáveis, para Jesus, são os que não estão nem aí para o culto da performance; que vivem deliberadamente à margem dos valores do mundo e não servem às riquezas porque querem servir a Deus; que não andam ansiosos com o dia de amanhã porque crêem surpreendentemente que a vida é mais do que o alimento, o corpo mais do que as vestes e a casa mais do que o Sound System: os tolos, os imprudentes, os despreparados, os marginais, os insensatos, os pacificadores, os que não se destacam em nada, os confusos, os destrambelhados, os altruístas, os medíocres, os fracos.

Todos, talvez. Você, certamente. Eu, em particular.

[o culto da performance - Paulo Brabo]


Sem mais.


Um comentário:

Belle disse...

Sem mais..
e sem comentários!!

texto fascinante.