29 junho, 2008

novas formas na retina

eu tinha uma boneca. não lembro ao certo quando foi decidido que ela entrasse em minha vida, nem como, mas lembro que foi uma amiga inseparável durante muito, muito tempo. eu lembro cada detalhe que a formava e de como me era querida, uma amiga tão próxima, mas que nunca ousara descobrir seu nome e nem ela também a dizê-lo. ela tinha longos cabelos lisos no início, cabelos que eu amava e nunca consegui ter. mas ela pôde usufruir disso por bom tempo. já que era ela a sortuda nesse caso, eu me contentava em ser feliz por ela, ela merecia o cabelo mais que eu. tinha olhos redondos, azuis, grandes e tão penetrantes, que nenhum fabricante ousaria em qualquer simples bonequinha de pano. e ela não era qualquer uma, nem somente simples, eu sempre soube o seu valor, desde o primeiro dia.
com o tempo eu resolvi crescer, meio que obrigada no princípio, mas depois foi realmente preciso, por motivos e coisas que não conferem nessa história. quem sabe outra hora eu te conte, pois hoje você precisa dormir cedo.
num tempo que me durou apenas alguns centímetros a mais, nela este mesmo tempo foi ainda mais cruel. para ela lhe durou uma roupa mais bufenta e amarrotada, um olho a menos, alguns remendos nas suas costas ao tecido que sedia aos dias, deixando-a aparentemente cada vez mais frágil. nessas costuras nunca vi um só pingo de sangue escorrer, juro. ela era na verdade sempre tão forte. e os seus cabelos ganhavam espaço no ar, agora tão cheios, nem eram mais lisos e pareciam ter encolhido. não eram mais como antes. achei justo, pois nem eu mais o era.
mas em mim, te digo, permaneceu sempre tão linda. não pela sua primeira imagem que era ainda tão viva na lembrança, mas pelo que ela significava pra mim todo dia, há muito tempo. eu nunca forcei achar-lhe tão bela, nunca, eu simplesmente achava, mesmo com o tempo e as coisas que o tempo lhe rendeu. eu a interpretava assim.
linda. como a gente vê alguém e acha. é a nossa forma de interpretá-la também. todo mundo costuma interpretar as pessoas ao seu jeito. às vezes até a gente sabe que aquela pessoa não é e que a maioria não arriscaria tal adjetivo, mas a gente acha simplesmente. tem gente que nós nem achamos, mas que coisas simples nos remetem a novas interpretações. é preciso estar aberto pra isso também.
de tudo o que ela me trouxe, o que guardo ainda mais forte nas minhas recordações é isso: saber interpretar as coisas, os textos, as pessoas e principalmente as bonecas. não importa o que a fila inteira ache, se o meu olhar aponta novas cores. só a gente sabe o efeito que causa na gente o que a vista aponta. quem mais verá com os olhos que vi? como não sei, continuo a descrever como ela era. pra que se deixem ver com os mesmo olhos que vi e saibam interpretar mais bonito.


só sabe mesmo quem vê. quem quer vê.

24 junho, 2008

mateus 7:7



estava à porta. sim, como deveria sempre estar. ainda não ousara bater, mas parou, suspirou fundo e bonito, se deliciou com a certeza de enfim estar no lugar certo.


tantas estradas já tinham lhe apontado o caminho, das quais olhava-as com os olhos apertados, até onde sua vista poderia alcançar, para então prever o fim que lhe caberia. e este foi o caminho onde seus pés descansaram.


agora sim tinha achado a porta. chegou a olhá-la por completo e se sentiu feliz assim tão pequeno. sempre sentiu certo fascínio por essa imagem vista por cima e não passou em momento algum em sua mente que fosse isto intimidante. pelo contrário, era tão acolhedor.


e ali, à porta, viu suas mãos tão calejadas sentirem alívio. por estarem limpas agora poderia tocar, poderia então bater. e batia como se já tivesse alcançado o que até então se escondia ali atrás. seu coração sabia o quanto tinha esperado e esperaria mais se preciso fosse, ao tempo que o caminho percorrido lhe preparava o sabor.



e bateu, bateu, bateu.. nessa porta que se abriria.


'contudo, um poema,

tua obra de arte,

destacasse à parte,

numa cruz vulgar'

[te vejo poeta - joão alexandre]